Ciclos

Sentada à beira do mar eu me sentia. Agudamente. Como se fosse uma coisa nova e desconhecida. Não havia sinônimo para mim. Nada naquele mar imenso que respondesse à única pergunta que eu me fazia. Uma mulher com nada nas mãos. Nada no corpo. Nada na mente. Por que então a alma era repleta de tudo?
Era a hora da morte do sol. O alaranjado que cobria o fim do mar parecia fogo que queimava longe de mim. Perturbada. Era como eu estava. Eu que nunca me conheci inteiramente, agora me desconhecia completamente. Mas não bastava esta constatação. Era preciso derramar a alma naquele chão de madeira. Tendo-a à minha frente, nua, eu procuraria o equilíbrio. Sempre foi difícil encontrar o meu equilíbrio. Sempre pendi para um lado. Torta. Nem sempre atormentada. Mas eu estava perturbada. E a alma, alienada do resto. Na sua fome voraz de sentir tudo ao mesmo tempo. Na sua imperiosa vontade de seguir rumo ao sol poente.
Por trás, os braços me acolheram. Meu corpo sentiu-se em porto seguro. De olhos fechados senti o calor conhecido dando vida à minha mente. Meus braços fecharam-se à minha frente. Mãos presas nas dele, aportei na razão.
Eu não era mais uma mulher com nada nas mãos, com nada no corpo, com nada na mente. Voltara a ser uma raiz da terra. A outra, o pássaro do infinito, fora-se naquele barco que o horizonte alaranjado engoliu.
A metade-chão convidou-me ao re-plantio. Era preciso fortalecer as raízes e vicejar nas arrebentações. Até que novo vento tocasse minha pele, emaranhasse meus cabelos, sussurrasse em meu imaginário e, inexoravelmente, me fizesse náufraga em nova paixão.

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