Esperança

Sentada à janela do quarto comunitário, deixou-se olhando a noite. O silêncio à sua volta era tão estridente que a ensurdecia. Olhou a filha dormindo ao seu lado. Vitória. Dera-lhe este nome porque nascer fora a vitória de um bebê tantas vezes socado em sua barriga.
Como um filme de terror, sua vida foi passando-lhe pela memória. Por mais que vivesse jamais conseguiria entender o ódio do pai pela filha. Desde que soubera da gravidez, o príncipe encantado transformara-se num poço de ódio. Ódio que culminara naquele último ato. Nenhuma palavra seria forte o suficiente para traduzir a dor de ver a filha sendo violentada pelo próprio pai. Nenhuma justiça seria suficiente para cicatrizar a ferida aberta em seu coração. Nem mesmo a justiça das suas próprias mãos.
Quis matá-lo. Um animal sem alma não merecia viver. Mas os preceitos cristãos juntaram-se à sua covardia. Preferiu denunciá-lo. As conseqüências vieram com a força das marcas que seu corpo ainda guardava. Por mais que a violência do marido lhe doesse, havia a satisfação de ter salvado a filha. A dor tirou-lhe a consciência. Acordou no pronto-socorro.
O céu escuro prenunciava tempestade. Sempre teve muito medo de raios. Mas agora nenhuma tempestade lhe dava tanto medo quanto reencontrá-lo. Não sabia por quanto tempo ficariam protegidas naquele abrigo. Nada sabia além do alívio de ter a filha a salvo. Somava as horas, que pareciam sempre maiores, rezando para que um dia pudesse dar a Vitória uma vida normal. A cada dia se sentia mais forte e mais certa do que deveria fazer. Era como estar num imenso túnel, mas com a certeza de que ao final havia uma luz.
Um dia seus passos alcançariam o fim do túnel. Então seria o momento de agarrar a vida com a coragem que a escuridão lhe dera. E garantir a luz nos caminhos da filha. Ainda que isso lhe custasse a própria liberdade.

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