Virgem Maria

Sempre fora só ela e o pai. A mãe, não sabia se vivia. Sabia que um dia ela montara no lombo do burro de um tropeiro e ganhara o mundo. Mas Maria não a conhecera. Só nascera de sua barriga.
Quando pequena seu pai a levava para o cafezal e ela ficava sentadinha olhando o mar de lenços brancos nas cabeças de homens e mulheres e ouvindo uma música que se repetia incansavelmente aos seus ouvidos.
Quando mocinha ganhara um lugar dentro do mar. Lenço branco cobrindo os cabelos rebeldes e longos, a cantilena saindo-lhe limpa e afinada da garganta. Maria ganhava corpo. Ancas redondas, seios fartos e lábios carnudos. Um convite para os homens que a olhavam disfarçados e para o capataz que todos os dias vinha ensinar-lhe uma nova forma de apanhar o café. Uma ameaça para o pai, guardião da sua virgindade.
Preocupado o pai procurou o vigário e contou-lhe das tentações que rodeavam Maria. Levou uma oração e uma imagem da Virgem Maria. Todos os dias pela manhã, Maria pedia à Virgem proteção contra as tentações. E a Virgem zelosa de sua filha mandava dois anjinhos que a acompanhavam o dia inteiro.
Os anjinhos sentavam-se nos ombros de Maria e fechavam-lhe os olhos e os ouvidos. E Maria permanecia soltando a voz na cantilena do café. Não via os olhares famintos que a cercavam. Nem entendia as palavras sussurradas do capataz que agora lhe trazia pedaços de rapadura para comer depois da matula.
Mas a virgindade de Maria começou a ficar muito pesada. Os anjos já não conseguiam ficar vigilantes o tempo todo. Resolveram então que descansariam todas as noites enquanto ela dormisse. Maria fechava os olhos e lá iam eles procurar uma dobra nas nuvens.
Uma manhã Maria acordou diferente. Seu corpo estava pesado e havia manchas escuras nos seios. Passou os dedos sobre elas: doíam. Sentou-se e sentiu ardendo-lhe entre as pernas. Uma mancha vermelha e ainda úmida sobre o lençol. Bem debaixo de suas coxas.
Deitou-se confusa. O sonho foi vindo-lhe aos poucos. Uma mão calosa passava-lhe pelo corpo. Uma barba por fazer fazia cócegas na sua barriga. Uma boca quente cobria a sua. Uma dor que cortava-lhe as entranhas e virava fogo entre as pernas.
Sentou-se de pronto. Olhou a Virgem Maria e viu cristais brilhando em seus olhos. Olhou novamente a mancha. Duas lágrimas silenciosas escorreram por seu rosto. Uma dor foi crescendo no coração. Um rosto crescendo na memória. O rosto do pai.

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